Transformando a Educação: A Visão da HardFun sobre Tecnologias e Aprendizagem
Neste texto, redigido em parceria com a B&S Educação e Tecnologia e publicado na data escolhida pela Assembleia Geral das Nações Unidas para celebrar o papel da Educação para a paz e o desenvolvimento, resgatamos pressupostos e ideias inspiradoras que orientam a perspectiva educacional da HardFun. Destacamos princípios fundamentais, juntamente com a visão sobre as tecnologias digitais e os meios como podemos usufruí-las no apoio aos processos de aprendizagem, incluindo crianças, jovens e adultos.
Princípios Pedagógicos: Conceitos Fundamentais
A abordagem pedagógica da HardFun é fundamentada na concepção interacionista piagetiana, segundo a qual desequilíbrios cognitivos e a busca por superá-los são propulsores da construção conceitual (PIAGET, 1976). Dessa maneira, todo conhecimento é construído com base na interação com o meio: o aprendiz age sobre o objeto, assimilando-o, e reage às ações por ele impostas. Por isso, se os sistemas de esquemas se mostram insuficientes, a assimilação promove perturbações e exige transformações internas. Nesse sentido, as perturbações são entendidas como obstáculos à chegada aos objetivos, requerendo compensações que reduzam esses obstáculos e favoreçam essa chegada.
Na sua obra A equilibração das estruturas cognitivas – problema central do desenvolvimento (1976), Piaget afirma:
Por mais diversos que sejam os fins perseguidos pela ação e pelo pensamento (modificar os objetos inanimados, os vivos e a si próprio, ou simplesmente compreendê-los), o sujeito procura evitar a incoerência e tende, pois, sempre na direção de certas formas de equilíbrio, mas sem jamais atingi-las, senão às vezes a título de etapas provisórias. (...) A ciência mais elaborada permanece, assim, num vir a ser contínuo e, em todos os domínios, o desequilíbrio desempenha papel funcional de primeira importância enquanto necessitando de reequilibrações (1976, p. 156).
O Papel do Professor na Aprendizagem
Qual é, então, o papel do professor? Para responder a essa questão, podemos retomar com Schäfer e Primo (2012) alguns aspectos da Epistemologia Genética de Piaget:
Uma das práticas mais recorrentes nos sistemas educacionais – seja na educação básica, seja no ensino superior – é a explanação do professor (...) Essa prática tem como base a crença no processo de percepção como gerador de aprendizagem. Espera-se que o aluno, ao observar ou repetir, necessariamente interiorize e retenha as informações recebidas. Contrariamente ao que se postula em tais condutas, o conhecimento não realiza cópias da realidade, nem está representado nos objetos (PIAGET, 1969; 1976). A percepção difere para cada um de nós, apresenta peculiaridades, é centrada e deformante. O sentido que conferimos aos dados sensoriais é buscado pelo pensamento e está vinculado ao referencial pessoal, ao conhecimento prévio, ao interesse e à necessidade existentes no momento da exposição a um estímulo para que haja operação sobre ele. Conhecer requer ação, física ou interiorizada, a fim de 'construir ou reconstruir o objeto do conhecimento de tal forma a capturar o mecanismo dessa construção' (PIAGET, 1969, p. 356).
O papel do professor inclui, portanto, além da explanação (que apresenta sentido quando encontra as curiosidades e os sistemas de significação manifestos por cada aluno), a promoção de oportunidades de reflexão, investigação e construção, assim como o encorajamento à exteriorização do pensamento. Então, ao professor cabe auxiliar os estudantes no desenvolvimento de condições para aprender os mais variados conteúdos, instrumentalizando-os com estratégias para analisar, questionar, comparar, levantar hipóteses e colocá-las em xeque, criar soluções para os desafios encontrados, compartilhar e comunicar descobertas.
A educação no contexto da incerteza
São processos convergentes com a “pedagogia da incerteza”, proposição desenvolvida por Carvalho et al. (2005) tomando por base as ideias da Epistemologia Genética de Piaget e a pedagogia da pergunta de Freire. A “pedagogia da incerteza” sustenta que o conhecimento “nasce do movimento, da dúvida, da incerteza, da necessidade da busca de novas alternativas, do debate, da troca” (CARVALHO et al., 2005, p. 353). Segundo os autores, educar para a incerteza implica em educar para:
- (i) busca de soluções de problemas “reais”;
- (ii) transformar informações em conhecimento;
- (iii) autoria, a expressão, a interlocução;
- (iv) investigação, para a criação de novidades;
- (v) autonomia e cooperação.
A construção das experiências de aprendizagem
Nesse artigo publicado no blog da HardFun, assim como observando o princípio da homologia de processos, descrevemos que as experiências de aprendizagem devem incentivar a reflexão sobre as ações e favorecer o desenvolvimento de competências essenciais para uma postura crítica e resolutiva diante das questões da vida cotidiana. Os desafios mobilizam o “pensar fora da caixa”, elaborar novos questionamentos e testar soluções. Para isso é importante que, contudo, juntamente com a problematização de concepções prévias (o que pode ser feito via questionamentos, contra-argumentação, solicitação de justificativas), haja suporte às reconstruções, viabilizando tomadas de consciência e reequilibrações, conforme alerta Aragón (2020).
No decurso das experiências promovidas, são, assim, fundamentais a escuta e o acolhimento de necessidades e expectativas exteriorizadas, o apoio à aplicação e revisão de teorias, o incentivo à cooperação e às trocas de experiências, o encorajamento à ação e à reflexão orientadas à resolução de desafios concretos.
A Potência das Tecnologias Digitais na Aprendizagem
É igualmente necessário ao professor se questionar sobre como um mundo conectado transforma a relação com o conhecimento. Como resultado, isso vai conduzi-lo a novas formas de contribuir com o desenvolvimento dos estudantes, principalmente abrindo oportunidades para que manifestem suas ideias, seus interesses, suas hipóteses, para que exerçam as posições de autor e investigador que a construção do conhecimento demanda. Uma vez que as tecnologias digitais favorecem esses processos. E vão além.
Segundo Fagundes (ALENCAR, 2005),
o computador não é um simples recurso pedagógico, mas um equipamento que pode se travestir em muitos outros e ajudar a construir mundos simbólicos. O professor só vai descobrir isso quando se deixar conduzir pela curiosidade, pelo prazer de inventar e de explorar as novidades, como fazem as crianças.
Ackermann (2020) também enfatiza a curiosidade ao tratar das relações entre tecnologias digitais e aprendizagem. De acordo com a pesquisadora, a curiosidade se vincula ao “permitir-se intrigar quando um resultado não corresponde ao esperado e ao desejo de percorrer o caminho inverso para entender as razões”. É o que acontece, por exemplo, na programação, quando um algoritmo não produz o comportamento imaginado pelo seu autor. Há uma mudança de perspectiva, na qual o próprio erro é ressignificado, configurando, em vez de objeto de punição, componente crucial da caminhada de desenvolvimento conceitual. Trata-se da abordagem destacada por Papert, segundo a qual a criança constrói tecnologia para aprender, em vez de ser ensinada por ela.
Em seu texto Oito grandes ideias sobre aprendizagem construcionista (1999), Papert afirma:
Nada que realmente importa funciona na primeira vez. A única maneira de acertar é analisar cuidadosamente o que aconteceu quando não funcionou: para termos êxito, precisamos de liberdade para nos equivocarmos pelo caminho.
A diversão desafiadora
No mesmo texto, ele realça o poder da “diversão desafiadora” (conceito que batiza a empresa) e da tecnologia para a construção:
Se você puder utilizar tecnologia para fazer coisas, você poderá fazer coisas muito mais interessantes. E você pode aprender muito mais ao fazê-las. Isso é especialmente verdade com tecnologias digitais: computadores de todos os tipos.
Os recursos da cultura digital tanto mobilizam como apoiam criações provenientes da curiosidade genuína dos alunos: por meio do amplo repertório de sistemas de produção multimídia, das facilidades de comunicação e compartilhamento, das inúmeras – e acessíveis – fontes de informação. Além disso, a cultura digital também beneficia a intervenção do professor, que, ao contar com múltiplos mecanismos de documentação e sistematização das produções dos alunos (potencializados com a inteligência artificial generativa, mais recentemente), pode identificar dificuldades e reestruturar seu planejamento, focalizando os desafios detectados.
A partir do princípio da homologia de processos, as experiências de aprendizagem devem privilegiar, igualmente em relação ao professor, o convite à exposição de suas ideias, à experimentação e à reflexão sobre as ações realizadas. Em contrapartida, alguns elementos, como os oportunizados pela programação, podem não ser plenamente explorados, mas há promissoras condições de materializar a proposta de aprendizagem por meio do desafio, da vivência dos conceitos mobilizados e da análise de práticas efetivas.
Tecnologias para aprendizagem na prática
Por fim, vejamos algumas possibilidades. Elas são ilustradas por excertos de cursos realizados para o projeto Escolas Conectadas, do qual a HardFun é parceira há mais de dez anos, juntamente com depoimentos de docentes que participaram das referidas formações. O projeto Escolas Conectadas é uma iniciativa de formação continuada de professores do ProFuturo, programa de educação global da Fundação Telefônica Vivo e da Fundação Bancária “la Caixa”. Por isso, ele é um exemplo do uso de tecnologias em aprendizagem.
- Oferta de inspirações que tenham como contexto situações-problema concretas, vivenciadas por docentes da educação básica, em especial de redes públicas de ensino.
- Ênfase na autoria e na autonomia, com o intuito de instigar a criação e a investigação pessoal (habilidades que desejamos ver desenvolvidas em docentes e alunos).
- Abertura à experimentação, encorajamento à cooperação e convite ao compartilhamento (com práticas e desafios que podem, inclusive, repertoriar o trabalho com os alunos).
Para finalizar
Especialmente nas experiências de aprendizagem que trazem as tecnologias digitais ao primeiro plano, os professores participantes são motivados a testarem as alternativas e promoverem o protagonismo dos estudantes, estendendo o convite para a produção de mídias.
Em conclusão, aproveitamos para desejar que os princípios e as práticas aqui discutidos, cultivados por tantos professores mesmo em contextos marcados por dificuldades, sejam cada vez mais valorizados e enaltecidos, fazendo com que todos os dias sejam de celebração e defesa da Educação.
Referências Bibliográficas:
ACKERMANN, E. Pedagogical Perspective on Tinkering & Making. The Tinkering Studio. Entrevista. Tradução livre. Disponível em: <https://vimeo.com/104178407>. Acesso em: 13 agosto 2020.
ALENCAR, M. Entrevista com Léa Fagundes sobre a inclusão digital. Revista Nova Escola. Ago. 2005, Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/987/entrevista-com-lea-fagundes-sobre-a-inclusao-digital?gclid=Cj0KCQjw6J-SBhCrARIsAH0yMZjJj9909KzS9zAL317yf7lhVuRJk0HtcGGQa0HvDW-BdKlM3GH8jf8aAuzaEALw_wcB>. Acesso em: 02 abril 2022.
ARAGÓN, R. Metodologias ativas em espaços digitais: o papel da mediação pedagógica. 8º Fórum EaD online de 2020. Secretaria de Educação a Distância – UFRGS. Jul. 2020. Disponível em: <https://youtu.be/g5M7OvpVVek>. Acesso em: 13 agosto 2020.
CARVALHO, M. J. S.; NEVADO, R.; MENEZES, C. S. Arquiteturas Pedagógicas para Educação a Distância: Concepções e Suporte Telemático. Workshop em Informática na Educação, XVI Simpósio Brasileiro de Informática na Educação – SBIE – UFJF, 2005.
PAPERT, S. Oito Grandes Ideias sobre Aprendizagem Construcionista. 1999.
PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
SCHÄFER, P. B.; PRIMO, A. F. T. Educação para o Desenvolvimento na Cultura Digital. In: GIRAFFA, L. M. M.; FARIA, E. T.; FERREIRA, A. J.; WEHMEYER, C. O. T.; RIBAS, E.; MACHADO, L. R. (Org.). (Re)invenção pedagógica? Reflexões acerca do uso de Tecnologias Digitais na Educação. 1. ed. Porto Alegre/RS: EdiPUCRS, 2012, v. 1, p. 119-132.
Artigo escrito por:
Gabriela Koen
Coordenadora de operações
Patrícia Schäfer
Membra honorária da HardFun
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