A desigualdade racial e as assimetrias digitais na educação infantil

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A construção da inteligência digital é essencial no mundo contemporâneo, porém enfrenta desafios devido às assimetrias no sistema educacional, afetando de maneira desigual a população mais vulnerável, composta majoritariamente por pretos e pardos.

Estudantes negros enfrentam dificuldades de acesso à educação de qualidade, muitas vezes vivendo em regiões socialmente vulneráveis e com infraestrutura escolar deficiente, incluindo falta de recursos digitais e conectividade à internet. Isso cria uma brecha digital em comparação com estudantes de classes sociais mais favorecidas que têm acesso a recursos tecnológicos.

Este artigo destacará a importância de abordar essas questões desde a Educação Infantil, visando combater a desigualdade racial que acompanhará as crianças ao longo de sua rotina escolar, principalmente com relação ao acesso à digitalidade. Vamos nos valer das discussões que emergem neste tão importante mês de novembro – da Consciência Negra – para fazermos algumas reflexões sobre estas desigualdades no contexto educacional?

Dados relevantes:

De acordo com o último Censo realizado em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira é composta de 207.750.291 milhões de pessoas, dentre as quais 97 milhões são pretos e pardos, representando 50,7% da população. Sabe-se que este grupo de pessoas acessa as piores condições educacionais, compondo também, o percentual de 92,3% dos alunos de nível médio matriculados na rede pública de ensino (Paixão et al., 2010). Esses dados, analisados em conjunto, demonstram que a desigualdade social atinge principalmente a população negra e que essa será uma das principais impactadas no processo da aprendizagem voltada à tecnologia. 

No Brasil, o cenário de oferta de educação pública de qualidade para o atingimento de um crescimento econômico por meio de um trabalho decente encontra-se ainda em estágio inicial de maturação, haja visto o acesso totalmente desigual que pode ser observado diante do contexto pandêmico, principalmente para a população atingida pela desigualdade racial. 

Com isso, torna-se importante observar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 e 8, respectivamente, e que poderão ser observados na figura 1: “Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” e “Reconhecermos a educação como elemento-chave para atingirmos o pleno emprego e a erradicação da pobreza” (Declaração de Incheon, 2015). .

Sabe-se que existem lacunas na educação básica de uma escola pública, principalmente no que tange ao acesso às tecnologias educacionais, o que fica mais evidente se considerarmos a desigualdade racial no Brasil, que conflita com os ODS das Nações Unidas. Nesse caso, o aprofundamento com relação ao cotidiano da educação para as comunidades impactadas pela desigualdade racial é fundamental, a fim de que se possa iniciar o processo de reconstrução da educação, que foi amplamente atingida pela situação econômica calamitosa que impactou a população mundial com o advento da pandemia.

Desigualdade Racial e o Contexto Educacional

As desigualdades históricas no Brasil, decorrentes da colonização e da escravidão, foram acentuadas durante a pandemia de COVID-19, resultando em uma distribuição desigual da vulnerabilidade, afetando principalmente os mais pobres, em sua maioria negros. A falta de acesso a recursos tecnológicos, como computadores e internet foi evidenciada com grande parte da população dependendo exclusivamente de celulares pré-pagos com acesso limitado à internet. 

Além disso, muitos estudantes não receberam o apoio adequado para seus estudos, devido à baixa escolaridade dos adultos em suas famílias e à ausência de suporte presencial dos professores e colegas. A exclusão digital amplia as disparidades educacionais, principalmente para aqueles que vivem em regiões periféricas das cidades, onde o acesso a recursos digitais e a conectividade são limitados. Isso cria um cenário de apartheid digital, aprofundando ainda mais as diferenças entre aqueles que podem e aqueles que não podem acessar os recursos digitais para dar continuidade aos estudos.

O apartheid digital na educação infantil

A Constituição Brasileira de 1988 estabelece o direito universal ao acesso à educação, visando ao desenvolvimento de todos os cidadãos e garantindo igualdade de condições na escola. Porém, o princípio da igualdade não é efetivamente alcançado quando se trata do acesso às Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) para a população em situação de vulnerabilidade social, composta principalmente por indivíduos pretos e pardos, o que resulta em um apartheid digital.

O termo apartheid originou-se na África do Sul, onde os imigrantes belgas e holandeses promoveram a segregação racial entre negros e brancos, uma prática opressora que também se refletiu em países ocidentais, como os Estados Unidos. A expressão “apartheid digital” combina a palavra repressora do apartheid, que visava à supremacia da raça branca sobre a negra, com o adjetivo “digital”. Essa expressão reflete a urgência de garantir o acesso às Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) para a população em situação de vulnerabilidade social, como discutido pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2003). Isso destaca a necessidade de superar a exclusão digital e promover a igualdade de acesso às tecnologias, a fim de reduzir as desigualdades sociais e raciais presentes na sociedade.

Os apartheids racial e digital caminham de mãos dadas no Brasil, mesmo quando consideramos brancos e afro-brasileiros que obtiveram as mesmas condições de educação, emprego etc. Mesmo sob a igualdade destas condições, a chance de um branco de ter acesso à internet é 167% maior que a de um não branco (FGV, 2003, p. 48).

A partir desta contraditória “união” de palavras, (haja vista que “separar” é a denominação mais comumente utilizada para o contexto da segregação), obtém-se a perfeita e atualizada fotografia do contexto tecnológico-educacional brasileiro. Assim sendo, ao se observar a inclusão digital, correlacionada diretamente com a raça da população brasileira, obtêm-se os indicadores apresentados na figura:

Assim dizendo, a figura reitera que os apartheids racial e digital andam “de mãos dadas no Brasil” (FGV, 2003), sendo possível observar-se que cidadãos brancos possuem uma vantagem significativa de acesso à inclusão digital, sendo representados por um percentual de 79,77% e estando diante de um significativo decréscimo de oportunidades para pardos (15,32%) e pretos (2,42%). Expandindo-se tal análise para o campo do acesso a computadores domiciliares, obtém-se o extrato demonstrado na figura 3, com a inserção dos povos originários e amarelos:

O pouco (ou nenhum) acesso às redes de internet provocam disparidades no processo educacional entre as crianças que possuem acesso a um dispositivo eletrônico com internet e aquelas que só possuem contato com esses artefatos no ambiente escolar (geralmente a população residente em regiões geograficamente desfavorecidas).

Como minimizar a desigualdade racial e suas assimetrias digitais, na rotina escolar da Educação Infantil?

Por tratar-se de um tema bastante complexo, principalmente quando se necessita discutir a temática digitalidade e desigualdade racial na sala de aula da Educação Infantil, não poderemos oferecer-lhe uma receita de bolo pronta, porém, iremos sugerir algumas atividades que poderão auxiliar-lhe nesta construção:

1. Realização de Feiras de Ciência e Tecnologia Negra (Afrotechs), apresentando às crianças as primeiras invenções tecnológicas negras da história. Você poderá organizar estas feiras de ciências para o público infantil (o que inclusive engajará as famílias a aprenderem sobre o tema enquanto participam em conjunto com as crianças, do processo de construção das aprendizagens). Muitas são as invenções tecnológicas oriundas da África, que não são de conhecimento da sociedade: o calendário, o pão, a escrita, o relógio, a escova de dentes, dentre outros. Para professores e familiares conhecerem mais sobre estas invenções, sugerimos a leitura do título: História Preta das Coisas: invenções científico-tecnológicas de pessoas negras – obra disponível aqui.

2. Para introduzir o tema das tecnologias com as crianças antes da operacionalização de uma Afrotech, sugerimos a leitura de um livro que proporcionará um primeiro contato com as invenções tecnológicas negras, de forma lúdica e com linguagem direcionada especialmente a elas: História Pretinha das Coisas: as descobertas de Ori. Título disponível para aquisição aqui.

3. Cursos direcionados especificamente para os professores (com formação e certificação gratuitas) na plataforma Escolas Conectadas da Fundação Telefônica Vivo: Introdução à Educação Antirracistaclique aqui para se inscrever. Neste título, você terá a oportunidade de realizar um curso de introdução ao tema, navegando por grandes eixos e por planos de aula elaborados por docentes da educação básica. As propostas buscam materializar ações de combate ao racismo e de apoio à constituição sadia das identidades dos nossos estudantes. Outro título de curso fundamental para professores é o Escola para todos: promovendo uma educação antirracista, que estará de volta no catálogo de cursos do projeto Escolas Conectadas no ano de 2024.

4. Construção de um calendário escolar abrangente, que discuta a cultura negra para além do Dia da Consciência Negra, apenas em 20 de novembro. Diversos momentos poderão ser trabalhados com as crianças e, para auxiliar-lhe nesta construção, sugerimos a leitura do título: Como ser um Educador Antirracista: para familiares e professores. Título disponível para aquisição aqui.

5. No campo das tecnologias, com relação à forma como será trabalhada essa competência em sala de aula pelos docentes, a Base Nacional Comum Curricular preconiza que as crianças sejam estimuladas com relação a:

traços, sons, cores e formas – Conviver com diferentes manifestações artísticas, culturais e científicas, locais e universais, no cotidiano da instituição escolar, possibilita às crianças, por meio de experiências diversificadas, vivenciar diversas formas de expressão e linguagens, como as artes visuais (pintura, modelagem, colagem, fotografia etc.), a música, o teatro, a dança e o audiovisual, entre outras. Com base nessas experiências, elas se expressam por várias linguagens, criando suas próprias produções artísticas ou culturais, exercitando a autoria (coletiva e individual) com sons, traços, gestos, danças, mímicas, encenações, canções, desenhos, modelagens, manipulação de diversos materiais e de recursos tecnológicos. Essas experiências contribuem para que, desde muito pequenas, as crianças desenvolvam senso estético e crítico, o conhecimento de si mesmas, dos outros e da realidade que as cerca (Brasil, 2018, p. 41, grifo do autor).

Logo, estímulos sociais por meio da positividade racial, poderão ser apresentados para as crianças buscando mitigar as abordagens discriminatórias em sala de aula. Você poderá inserir as crianças nesta discussão, digitalmente, a partir da apresentação do curta metragem vencedor do Oscar de melhor animação no ano de 2020, intitulado Hair Love [Amor de Cabelo] disponível aqui para visualização.

6. O uso da música para a introdução das crianças da Educação Infantil no uso das tecnologias, também é estimulado pela BNCC (2018, p. 41). Assista ao vídeo gravado pelo Prof. Allan de Souza, onde ele se utiliza do canto para trazer ensinamentos sobre a positividade racial para as crianças. Clique aqui para acessar ao vídeo.

Estas são nossas sugestões para que você, professor, possa introduzir o tema tecnologias e desigualdades raciais em sua sala de aula, sem necessariamente ter de utilizar-se de dispositivos eletrônicos para tal. Desejamos belas reflexões sobre esta relevante temática! 💙💖💛

Artigo escrito por:

Renata Garcia

Renata Garcia

Analisa de Suporte Master

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